O calendário do futebol - Parte 3 (final)

Nas duas primeiras partes desta coluna foram apresentadas sugestões de estruturas ideais para as competições brasileiras e internacionais de clubes e de seleções. O que existe hoje em dia, entretanto, é o propalado calendário quadrienal, que está ainda muito longe de qualquer conceito que se tenha de "estrutura ideal". Nesta terceira e última parte, serão comentados vários aspectos e apresentadas algumas sugestões a esse calendário quadrienal, precedidas de fragmentos extraídos de noticiários esportivos.

Copa Mercosul:

    "A Copa Mercosul deverá ser extinta, mas se não for, não deverá contar com a participação de equipes brasileiras em 2002. Já a Copa Libertadores do próximo ano poderá ter seis times do Brasil, sendo o campeão da Copa dos Campeões, o campeão da Copa do Brasil e os três primeiros colocados do Campeonato Brasileiro."

Um dos maiores méritos desse calendário é o fim da participação brasileira na Copa Mercosul, que (se Deus quiser) desembocará na extinção dessa inútil competição. É bom que estejam começando a perceber a completa falta de razão de ser dessa Copa que não tem rigorosamente nenhum significado técnico.

Campeonatos Regionais:

    "O Rio-São Paulo contará com 16 equipes, sendo os quatro grandes de São Paulo (Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos) e do Rio (Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco), mais oito times que ainda serão definidos. O último time paulista e o último carioca na competição serão rebaixados."
    "Os estaduais serão substituídos por seletivas, que servirão para definir os demais participantes dos regionais. Os times chamados "grandes" só irão participar dessas seletivas caso sejam rebaixados. Isso, naturalmente, se não houver virada de mesa."

Outra inovação merecedora de aplausos é a vinculação da participação nos torneios regionais à performance nos estaduais. A participação cativa dos oito grandes no Rio-São Paulo (como aconteceu até 2001), por exemplo, era uma afronta e um desincentivo ao trabalho de times como Portuguesa, Ponte Preta e Americano.
Esse sistema será também, uma grande oportunidade de se testar a credibilidade da estrutura. Se um dos oito grandes for "rebaixado" para o Campeonato Estadual, esse rebaixamento será respeitado? Nada é mais saudável e traz mais credibilidade à competição do que obrigar uma equipe fraca (mesmo que seja "grande") a se recuperar dento de campo. Um ótimo exemplo disso é a história recente do Fluminense, que hoje volta a figurar entre as equipes mais fortes do país após ser obrigado a disputar, por dois anos, as divisões inferiores do Campeonato Brasileiro. Será que, em outra realidade, a acomodação gerada pela certeza de jamais poder ser rebaixado incentivaria tal evolução técnica?

Copa do Brasil:

    "Já a Copa do Brasil será disputada, a partir de 2002, por 64 clubes: os 27 supercampeões estaduais do ano anterior, as equipes da primeira divisão do Campeonato Brasileiro que não foram campeãs e convidados da CBF."

E os cartolas conservam o maior erro de toda a estrutura do futebol: as participações por convite. O único critério justo e correto é o critério técnico. Se querem fazer uma Copa do Brasil com 64 clubes, que façam, por exemplo, com os 27 campeões estaduais e os 37 melhores times do Campeonato Brasileiro anterior (começando do Campeão da Série A e indo até a Série C, se necessário).

Campeonatos Estaduais:

    "A competição será classificatória para as finais dos estaduais, que contarão com o campeão da seletiva local, mais os 3 melhores colocados por Estado do Rio-São Paulo."

Eis mais uma característica positiva do calendário. Sendo três times oriundos do Rio-São Paulo, no mínimo um grande ficará de fora e no mínimo um "pequeno" estará nas semifinais estaduais. Isso é um promissor sinal de mais alternância e imprevisibilidade nos estaduais!

    "As federações contrárias ao calendário quadrienal criticam duramente o enfraquecimento dos estaduais. Sem a participação dos grandes, o risco de ter um campeonato deficitário é alto. Os clubes grandes disputariam apenas o Superestadual em quatro datas, insuficientes para os anseios de algumas federações."

Faz sentido. Realmente é muito bolo para pouca cereja. Imaginem uma semifinal do SuperCampeonato Paulista, por exemplo, entre o Campeão Estadual e um dos "grandes" que disputaram o Rio-São Paulo. Se o Campeão for derrotado logo no início do SuperEstadual, se sentirá injustiçado por ter perdido meses de trabalho em apenas um ou dois jogos. Por outro lado, se o Campeão vencer seu jogo contra um "grande", será o "grande" que se sentirá tal qual um penetra expulso da festa, pois terá sido eliminado em sua estréia. Fica aqui a sugestão de um SuperCampeonato Estadual mais razoável, disputado por oito times (cinco oriundos do Campeonato Regional e três da primeira fase do Estadual, por exemplo) em um octogonal disputado em turno único, por exemplo, ou em dois quadrangulares com semifinais e final.

Essa estrutura, no entanto, peca por praticamente proibir alguns times de serem campeões estaduais. O Bangu, por exemplo, para chegar às semifinais do SuperCampeonato Carioca, precisaria terminar pelo menos em terceiro lugar entre os times do Rio de Janeiro no Torneio Rio-São Paulo, o que o obriga a superar pelo menos dois dos quatro grandes. Por outro lado, o Madureira, por exemplo, precisaria apenas ficar à frente de times como Friburguense, Olaria e Cabofriense, o que é uma missão visivelmente menos difícil...

Outra dúvida que esta estrutura fará surgir se manifesta no campo histórico e estatístico: de acordo com o divulgado, o Campeão Estadual "oficial" será o vencedor do "Campeonato Seletivo", mas quem disputará a Copa do Brasil será o SuperCampeão. Fica, então, a pergunta: qual dos dois ficará registrado nos almanaques e anuários como o "Campeão Paulista de 2002", por exemplo? Há um sério risco de que cada ano sejam criadas 27 novas polêmicas similares à rusga entre Flamengo e Sport acerca do título brasileiro de 1987...

Mais um problema que essa estrutura causará: hoje em dia a maioria dos campeonatos estaduais das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste é concebida para durar nove, dez meses, pois com exceção dos um ou dois times de cada estado que disputam as Séries B e C do Campeonato Brasileiro, o estadual é a única competição que os times desses estados têm para disputar em todo o ano. O (Super)Campeonato Sergipano, por exemplo, será disputado pelos três melhores times do estado na Copa Nordeste (que aliás só é disputada por Sergipe e Confiança; o terceiro sairia de onde?) mais o campeão da Seletiva. Assim, ou a Seletiva será obrigada a acabar na mesma época do Nordestão, para que o (Super)Campeonato seja disputado logo em seguida, obrigando todos os n-1 times eliminados a passarem o resto do ano parados; ou os três times oriundos do Nordestão é que ficarão meses parados esperando o final da seletiva! De uma forma ou de outra haverá times parados vários meses a fio...

Critérios:

    "Outra preocupação foi tornar as competições um viés de acesso para outros torneios. Os estaduais são classificatórios para a Copa do Brasil e os regionais do ano seguinte; estes, por sua vez, dão vaga à Copa dos Campeões, que segue premiando seu vencedor com uma vaga na Copa Libertadores, assim como o Campeonato Brasileiro. "

Esse talvez seja o maior mérito de todo o conteúdo do calendário. Até que enfim alguém percebeu que o grande problema dos campeonatos atuais é eles serem ilhados e que é necessário haver vínculos classificatórios entre eles!

    "Apesar de ainda não estar oficializado, o novo calendário estabelece que organização dos torneios ficará a cargo das ligas de clubes e da CBF. De acordo com o documento, os torneios serão regulamentados por ligas regionais (que serão criadas) e a confederação. Já a Copa dos Campeões e o Brasileiro serão regidos pela CBF e por uma Liga Nacional. "

Perigo à vista! A Lei Pelé permite que quaisquer clubes se juntem em ligas e, conseqüentemente, permite que os times decidam quem vai disputar ou não cada campeonato, ignorando solenemente as leis de acesso e descenso (como o Clube dos 13 vem fazendo no Campeonato Brasileiro)! É a virada de mesa institucionalizada!

    "Outro aspecto que mereceu elogios: o fato de as competições ficarem, em tese, mais rentáveis, uma vez que privilegiarão os clubes com mais apelo e melhor nível técnico. "

Outro aspecto que merece comentários: a insistência em enxergar o futebol como atividade financeira e não como a atividade esportiva que é. Não tem sentido privilegiar esse ou aquele clube. A única postura correta é tratar rigorosamente todos os clubes com absoluta igualdade. Basta lembrar que a estrutura aplicada na Itália, na Espanha, na Inglaterra (e em praticamente todos os países da Europa) e que é freqüentemente usada como exemplo de estrutura que o Brasil deveria adotar, trata de forma rigorosamente igual desde os grandes times da primeira divisão até as equipes semi-amadoras das divisões mais baixas.

    "Os caminhos para a competição continental começam nos torneios regionais – no caso do Rio-São Paulo, os seis primeiros vão para a Copa dos Campeões – e terminam na Copa do Brasil. Com 16 equipes na Copa dos Campeões, uma das vagas para a Libertadores ficará mais concorrida. No segundo semestre, a única chance será no Brasileiro. "

Mais uma vez os cartolas se esqueceram das superposições. Ainda não foram providenciadas respostas para potenciais perguntas do tipo "Se o mesmo time for campeão da Copa do Brasil e da Copa dos Campeões quem ganha a segunda vaga para a Libertadores?"

    "Para o presidente do Clube dos Treze, Fábio Koff, são os aspectos mais importantes a maneira racional como os jogos foram distribuídos e a clareza dos critérios. "

Clareza de critérios? Uma leitura superficial desta coluna é suficiente para mostrar que alguns critérios são tão claros quanto um barril de piche...

É evidente, por tudo o que já foi escrito nesta série (e especialmente nesta coluna), que esse calendário quadrienal tem diversos pontos criticáveis e que está longe de ser o calendário dos sonhos de qualquer brasileiro. Não se pode negar, porém, que é uma iniciativa inédita e que, bem ou mal, tem seus méritos. Por isso, embora aponte muitos aspectos negativos (como a manutenção das vagas para convidados na Copa do Brasil, por exemplo) e manifeste expressa discordância quanto à estrutura idealizada, esta coluna apóia e torce para o sucesso desse calendário.

É isso aí. A qualquer momento estarei Acertando as Contas com um novo assunto atual do futebol.